segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O aspecto interior do Sacrifício segundo Agostinho.

Muitos fazem valer o sacrifício como uma despesa futuramente reembolsável, quer no momento em que ainda estão vigentes as circunstâncias do acto, quer quando o barómetro se inverter e o crime passar a virtude. Subjacente fica apenas uma manhosa audácia e uma expectativa sobre o prazo a cumprir. E, contudo, observam esse momento da vida como se fossem espectadores de si mesmo.

O homem que está mais perto da perfeição espiritual tem uma atitude diferente perante o sacrifício, encontrando nele uma satisfação egoísta e limitada. A renúncia é comodidade e segurança, o vaguear na incerteza e restrição é, para aquele que serve o espírito, a certeza de que a sua posição adversa é aristocrática e isolada como é necessário, isto se servir apenas para continuar fiel às bases em que assenta o pensamento e fundamenta a sua vida.

Quando o dever não é imposto de fora mas sim uma aspiração maior que o mundo racional possa possuir, o seu cumprimento não pode ser visto como um sacrifício que exija recompensa. O cumprimento do dever deve antes ser como uma oportunidade de experimentar as forças e subir um degrau na escalada para o sêr, cuja sensação deve provocar na relação com os outros uma experiência de sincera e sólida gratidão pelas circunstâncias que o permitiram. Revelar-se-ia, em ultima análise um gosto diabólico e pessoal em se sentir mais forte e perfeito.

Há que chamar a atenção para outro aspecto desta fidelidade do indivíduo a si próprio, o do domínio do impulso dos sentimentos pela razão. Este esforço nunca é inútil ou demasiado; é como o remador que leva o mundo para Deus onde nenhum movimento é inútil. Da mesma forma, naquele que bem pensa, qualquer acto da vida é para a salvação da humanidade, esses que ousam estoirar os músculos ao serviço do bem comum. A inteligência que em si compreende amor, beleza e justiça, consagra ao fim último dos homens a sua vida inteira, num único momento ou em anos e vê-se mais como objecto do que como sujeito.

A tal missão nunca se chamaria sacrifício, com suas pinceladas de resignação e tristeza. Esses que vêm mais alto desejam então repartir-se por toda a humanidade, arder nas chamas dos peitos que se elevam para o céu e congregá-las na forja que transformará o céu.